Num artigo publicado em 2007, José Mindlin escreveu que o livro
"tanto pode continuar sua trajetória de mais de 550 anos, como pode
desaparecer em sua forma atual; mas apesar do risco de uma afirmação
categórica, não tenho duvidas em afirmar minha convicção de que vai
permanecer." (O Futuro do Livro - Sessenta Visões: Estúdio Substância /
editora Olhares / Ipsis Gráfica e Editora).
Concordo com o otimismo de Mindlin, cuja biblioteca eu tive o privilégio
de conhecer: uma biblioteca tão grandiosa e rica que você se sente inibido de
escrever até um bilhete.
Há livros que servem apenas de entretenimento. E há livros cujo conteúdo
e linguagem são bem mais complexos; por exemplo, alguns dos livros que José
Mindlin relia e cultuava: Grande Sertão: Veredas, os volumes de Em busca do
Tempo perdido, os Ensaios de Montaigne... E esses livros pedem a até exigem um
leitor sofisticado, apaixonado e corajoso. Do livro mais fácil ao mais
complexo, há algo em sua elaboração, algo essencial que diz respeito ao
pensamento, a um modo particular de ver o mundo ou de imagina-lo. Deixando a
subjetividade de lado - mas não totalmente à margem -, penso que o livro
eletrônico já é em certos países um concorrente aos livros de papel. Talvez
seja mais exato dizer, ainda citando Mindlin, que "a leitura encontrou
formas paralelas de existência". Ou seja, o texto na tela é uma das
alternativas ao livro.
Para um leitor compulsivo que viaja muito, é preferível levar um e-book
no bolso a carregar uma mala de livros. Mas para um leitor razoavelmente
sedentário - e aí entram a subjetividade e as delícias do gosto - é mais
prazeroso escolher um livro na estande de sua casa ou de uma biblioteca e lê-lo
com interesse e paixão, anotando frases ou trechos que expressam uma ideia,
reflexão, cena ou diálogo relevantes.
Apesar do avanço da tecnologia eletrônica- que um dia nos permitirá ler
textos flutuando no ar -, o livro de papel ainda tem algo de artesanal na sua
concepção e impressão. Talvez no futuro ele seja um objeto de culto e prazer de
uma imensa minoria de seres anacrônicos. Mas quem - a não ser cartomantes e
poderosas mentes apocalípticas - pode prever o futuro?
Não oponho qualquer resistência ao livro digital, muito menos ao
computador, que facilitou a vida de todo mundo. Afinal, qualquer texto de
Kafka, na tela ou no papel, será um texto de Kafka. A questão mais funda e, no
limite, sem resposta, é saber se no futuro haverá leitores de Kafka.
Outro dia soube que uma edição eletrônica de um dos meus livros já
estava disponível. Minha reação foi tão fria quanto a luz branca da tela.
Porque nessa edição eletrônica não consigo sentir o processo de escrita desse
texto: as várias versões do manuscrito e as sugestões indicadas pelos editores.
Um processo até certo ponto artesanal, que a edição de um livro exige: da fonte
a ser usada no miolo, à escolha da capa, os textos da orelha e da quarta-capa,
o tipo de papel, etc. Talvez muitos jovens de hoje não sintam falta desse
processo que é ao mesmo tempo artesanal e tecnológico. Mas para um dinossauro
que ainda usa sua caligrafia para esboçar a primeira versão de um texto, o lado
artesanal é importante. Além disso, essa frase de um conto de Machado de Assis
faz pleno sentido se lida no papel: "Sim, minha senhora... As palavras têm
sexo".
Uma amiga embriagada por novidades eletrônicas me disse que ao manusear
um e-book ela pode escutar o farfalhar das folhas de papel e até sentir o
cheiro da finta, como se a tela tivesse sido impressa. "Tudo é
incrivelmente parecido com um livro", ela disse.
Bom, se o e-book é uma espécie de duplo ou sósia virtual do livro de
papel, então este viajante imóvel prefere o original.
Por fim, rabisquei este poemeto, que agora dedico à memória de José
Mindlin:
Haverá um último livro Sobre a morte do livro?
Leremos palavras no ar
Ou na tela de um objeto invisível?
O verbo folhear será esquecido?
A frase: Vou abrir um livro
Será um insulto? Uma profanação?
Um sacrilégio supremo?
Em cada página impressa
O livro desafia o tempo
Milton Hatoum - O estado de S.Paulo
30 Abril 2010
Fonte: Cultura Estadão
Nossa, confesso que foi uma surpresa boa conhecer o blog de vocês - uma iniciativa bacana de ter gerações familiares de leitores - e ainda dar de cara com um post sobre a importância dos livros. Poxa, concordo com a questão do livro físico. Entendo que a velocidade de consumo puxe para o digital, mas ainda não acho que ele conseguiu substituir a emoção que o impresso traz - talvez, em razão da ilusão de que cada letra no papel traz consigo o suor de seus autores e toda a bagagem emocional que acompanhou a sua concepção. Enquanto o digital nos remete ao efêmero e à velocidade - não se aprecia pacientemente.
ResponderExcluirEi, convido vocês a visitarem o nosso blog e dar espiada por lá. No último post comentei sobre isso. De que é esperançoso ver que na era do digital, os livros impressos sobrevivem - e não apenas como "obras de arte". :)
Abraços,
Emily.
http://megsarmybookclub.blogspot.com.br/
É incrível que em pleno século XXI ainda existam pessoas que acham que o livro físico será substituído por um aparelho eletrônico. É claro que a tecnologia está avançando cada vez mais rápido, mas nada tira de um leitor o prazer em folhear um livro e sentir o cheiro do papel!
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